Soneto neobarroquino sobre o dualismo Lei vs Evangelho (cf. Rm 4-5).

•21 de Outubro de 2009 • Deixe um Comentário

Lei & Evangelho, Lucas Cranach

A Lei exige e pede e exorta e impera;
O Evangelho proclama em Cristo a paz.
Ela, de Sinai, diz: ‘Perece ou faz!’;
E ele: ‘Porquê; se à Cruz o Pai O erguera?’

A Lei não quieta, cede, acalma, espera;
No Evangelho, em Jesus, descansarás.
Ela diz: ‘Cumpre ou eis-te Barrabás!’;
E ele: ‘O céu a quem crê Deus prometera.’

Pla Lei, quem não foi ímpio, falso, irado,
Blasfemo, adúltero, áscuo, mentiroso,
Ladrão, rebelde, egoísta e homicida?

Pelo Evangelho, não há mais pecado
Que, no Calvário, o Redentor piedoso
Não nos absolva, pra que haja em nós vida.

Com Piper no Teatro de Deus.

•28 de Setembro de 2009 • Deixe um Comentário

With Calvin in the Theater of God foi o título da conferência anual Desiring God deste ano, sob o tema da vida e ministério de João Calvino, reformador da Igreja e personalidade histórica marcante para a civilização ocidental, e não somente. A ver aqui. Programa:

1. Julius Kim, At Work and Worship in the Theater of God.

2. John Piper e Douglas Wilson conversam sobre Collision, um filme sobre o seu debate com o ateu Christopher Hitchens.

3. Douglas Wilson, The Sacred Script in the Theater of God.

4. Marvin Olasky, The Secular Script in the Theater of God.

5. Mark Talbot, The Broken Stage in the Theater of God.

6. Discussão entre os membros do painel.

7.  Sam Storms, The Final Act in the Theater of God.

8. John Piper, Jesus Christ as the Dénouement in the Theater of God.

Do que já tive o prazer de escutar em mp4 ao levantar halteres e ao viajar em transporte público, as mensagens de Doug Wilson (pós-milenista e tipo fixe) e Marvin Olasky (ex-judeu ex-comunista) são de menção honrosa. Um lembra-nos o significado da Sola Scriptura e como devemos, enquanto Igreja, concentrarmo-nos num discurso proclamativo e numa absolutização da autoridade da Palavra e menos em atitudes defensivas; ou seja: ‘Cristo é Senhor. So get used to it’. Já Olasky disserta sobre o pensamento político de Calvino e do como a democracia ocidental deve mais ao genovês do que à revolução francesa; não sendo mais obra de gregos do que da liberdade que encetou o Nazareno.

No fim, Piper é obrigatório. E é para chorar, de tão inspirador e pleno de pathos. Pregadores portugueses: aprendam dele a vossa homilética.

Sal mordaz. Espada que corta. Assim é a Palavra do Senhor.

•24 de Setembro de 2009 • Deixe um Comentário

 

 Que tem a palha com o trigo?, diz o SENHOR. Não é a minha palavra fogo?, diz o SENHOR, e martelo que esmiúça a penha? Jeremias 23:29

Mas hoje, é claro, os nossos ouvidos foram de tal forma sensibilizados pela multidão de lisonja e chupismo que assim que descobrimos que não somos elogiados em todas as coisas, protestamos pela má-educação de quem nos opõe, e quando não conseguimos refutar a verdade doutra qualquer maneira, desviamo-nos subrepticiamente dela, desculpandomo-nos na agressividade, impaciência e falta de moderação dos seus defensores.

Mas que uso tem o Sal se não pica a língua? Que utilidade há na lâmina da Espada se esta não cortar? Amaldiçoado seja o homem que faz esta obra de Deus erroneamente! — Martinho Lutero 

Já se encontra online o .pdf da versão impressa do conteúdo da conferência Desiring God 2008, The Wonder of Words and the Power of God, devota à diversidade e excelência da linguagem bíblica: seus géneros literários, modos discursivos, recursos estilísticos, sensibilidade estética, poética hebraica, e até o azedume satírico e interventivo do idioma profético. Numa era em que a linguística académica reexamina as concepções de signo linguístico, significado e significante, é edificante embrenharmo-nos na lingugem prospícua, profunda e transcultural da Escritura cristã.

Recupero o contributo do Mark Driscoll sobre as mais controversas, chocantes, cortantes e mordazes palavras da Palavra, e como Deus tem a mais bela lírica reservada para os seus, mas também o mais ridicularizante e esquálido escárnio para os hipócritas e iracundos: 

Ainda os novos calvinistas.

•18 de Setembro de 2009 • 1 Comentário

John Piper é um dos debatentes e inquiridos nesta conferência da Religious Newswritters Association. Como é já sabido, o novo calvinismo, e a reforma pós-moderna que ocorre nesta geração de cristãos um pouco por todo mundo, foram motivo de cobertura pelas algumas das mais conceituadas publicações seculares, como a New York Times e a Time Magazine. Para uma distinção sumária, recupero a comparação feita por Mark Driscoll – uma das figuras centrais na difusão deste movimento – que compara o velho calvinismo do séc XX com o novo calvinismo do séc XXI, em tom sociológico, mais que teológico até:

1. O velho calvinismo era ou fundamentalista ou liberal e ou se alienava ou se sincretizava quanto à cultura. O novo calvinismo é missional e deseja criar e redimir a cultura.

2. O velho calvinismo fugiu dos centros urbanos. O novo calvinismo está a popular as cidades.

3. O velho calvinismo era cessacionista é intimidado pelo poder e presença do Espírito Santo. O novo calvinismo é continualista e rejubila perante a presença e poder do Espírito Santo.

4. O velho calvinismo era temente doutros cristãos e queimava pontes. O novo calvinismo ama todos os cristãos e cria pontes entre eles.

Tim Keller sobre a transformação cultural pelo Evangelho.

•17 de Setembro de 2009 • Deixe um Comentário

Keller, o neocalvinista, o transformacionista, o niebuhrista, o presbiteriano nova-iorquino que veste ternos com padrões de sofá, aqui conferencia sobre a missão cultural da Igreja na redenção dum mundo pós-cristão. Menciona tópicos como a situação europeia da cristandade, o chamado para o discipulado e a sua variedade de vocações, a serventia do cristão missional no mandato cultural, o foco urbano da dilatação do Evangelho.

Aqui.

Sola fide ou sola hipocrisia? Tiago fala com Paulo. Concordam. Os legalistas? Perdem.

•16 de Agosto de 2009 • 3 comentários

1. Justificação pela fé

Sola Fide. Pela fé apenas todo o pecador é justificado perante Deus. Deveras,o apóstolo diz que ‘o homem é justificado pela fé, sem as obras da Lei’ (Romanos 3:23), e que ‘pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós: é dom de Deus; não vem das obras, para que nenhum homem se glorie’ (Efésios 2:8-9). Estas palavras, pois, meramemente parafraseiam Jesus, ao ser inquirido pelos discípulos sobre o que fazer para obter a salvação, que perguntavam: ‘Que havemos de fazer para praticarmos as obras de Deus? Jesus lhes respondeu: A obra de Deus é esta: Que creias naquele que ele enviou’ (João 6:28-29). Assim, todos os que se sentem cansados pela esforço inútil de cumprir a Lei perfeita de Deus e serem justificados pelas suas obras, que nunca os declarará rectos devido à sua pecaminosidade inerente (Romanos 3:23), podem, enfim, encontrar repouso eterno em Cristo, que conforta a todo o que nele crê, assegurando: ‘Vinde a mim, vós que estais os cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei!’ (Mateus 11:28).

2. Os inimigos da fé

Mas muitos há, como os fariseus, doutores da Lei, legalistas, que querem usurpar o cristão da sua fé em Cristo e na suficiência da Cruz para o perdão dos pecados e a certeza da salvação eterna. Mais ainda: todas a religiões não-cristãs o fazem. De quais falo? De todas as que não crêem que o pecador é justificado pela fé tão-somente; as que o negam ou tentam ambiguar a distinção entre a Lei, que condena, e o Evangelho, que liberta; entre as obras que só vangloriam a carne – e a fé, que só glorifica o seu autor e consumador: Jesus Cristo. Mentes carnais são, que recorrem às Escrituras, que desdenham, para fazê-las contradizer-se. Dirão, pois: a Palavra nunca diz que o pecador é salvo pela fé apenas; que, de facto, a Palavra diz o contrário, pois que ‘é pelas obras que o homem é justificado e não somente pela fé’ (Tiago 2:24); que ‘a fé, sem obras, é morta’ (v. 26).

3. Que justificação é a justificação pelas obras que Tiago fala?

Como retorquir a tal acusação? Ora, pois, basta obedecer a Paulo, que nos aconselha: ‘Estuda para que te apresentes perante Deus aprovado como obreiro sem mácula, que maneja bem a Palavra da Verdade’ (II Timóteo 2:15). Consideremos o contexto:

O apóstolo Tiago fala com outro homem. Apresenta-nos um quadro hipotético: ‘Que proveito há, meus irmãos se alguém disser que tem fé e não tiver obras? Porventura essa fé pode salvá-lo?’ (v. 14). Repare-se que ele não afirma que este indivíduo tem fé, mas que diz que tem; pois não é que possua a fé salvífica que o justifica, mas tem a pretensão de a ter perante os outros. Contudo, ele não veste aos irmãos que, de tal pobreza, não têm provisão de roupa, irando Tiago, que não vê proveito em tal homem, que se diz crente (vv. 15-16). Consequentemente, eis o que diz o apóstolo sobre a fé que este inepto se vangloria de possuir: ‘a fé, se não tiver obras, é morta em si mesma’ (v. 17); comparando, desta forma, a fé que Tiago tem, e é visível a todos pelas obras que dela fruem com a dita fé do interlocutor, que não mostra sinais de vida: ‘Tu tens fé, e eu tenho obras; mostra-me a tua fé sem as obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras’ (v. 18). O homem que alega ser crente, riposta miseravelmente, subentendendo que crê no único Deus, obrigando à resposta que escutamos: ‘Crês tu que Deus é um só? Fazes bem; os demónios também o crêem, e estremecem’ (v. 19) – pois que tem que este creia no monoteismo, tal como o islamita, o judeu apóstata, o Testemunha de Jeová, o mórmon, o romanista, etc, que negam a suficiência do Evangelho de graça; enfim todo aquele que não crê em Cristo e nele confia toda a sua salvação (João 3:16)? Que fé estéril esta! – e fé, sem fruto, não é, como sabemos, fé nenhuma.

4. A resposta: justificação não perante Deus, mas perante os homens

Aqui, porém, o sofista e o legalista clamam-se vitoriosos, quando Tiago, aponta-nos ‘porventura não foi pelas obras que nosso pai Abraão foi justificado quando ofereceu sobre o altar seu filho Isaque?’ (v. 21). Porém, fá-lo em vão. Pois esta justificação de que se fala não é resposta para a questão de como é o homem justificado perante Deus – coisa que Cristo e Paulo já estabeleceram. Não; esta justificação é  justificação perante os homens; os irmãos de fé; os cristãos cuja fé é a fé verdadeira, donde um amor por Cristo se manifesta pelo amor à Lei que antes os condenava (Romanos 6:17-19). Decididamente, esta justificação que o apóstolo fala é aquela que justificaria este homem de pretensão vácua, que diz ter fé diante dos mais, mas que permanece tão mudo quanto inerte perante o imperativo anterior: ‘mostra-me a tua fé’ (v. 18); que justificaria, perante Tiago, que fôra justificado pela fé, mostrando os frutos de obediência dum coração regenerado. Abraão, todavia, pôde justificar perante todo o Israel que fôra justificado perante Deus apenas pela fé no Evangelho (e não só no Deus monoteísta), ao crer que Deus providenciaria o seu Filho, e não Isaque, para expiar os pecados do seu povo. Como o sei? Ora, o legalista, o doutor da Lei, o fariseu, o catolicista fanático pela penitência alheia logo pasmam ao lerem o que o apóstolo de seguida afirma, ao pronunciar: ‘cumpriu-se a Escritura, que diz: E creu Abraão a Deus, e isso lhe foi imputado como justiça, e foi chamado amigo de Deus!’ (v. 23). Sim; Abraão teve fé, e nesse momento foi justificado perante Deus. Mais: Abraão, ao mostrar a sua obediência, justificou a sua fé perante todo o mundo, e no acto de lealdade, aprofundou a sua santificação, aperfeiçoando aquela fé evangélica que o salvara (v. 22; Romanos 4:20-22). Verdadeiramente, o patriarca de Israel poderia justificar-se perante o apóstolo Tiago, não tão-somente pela fé que diria dispôr, mas pelas obras, que a manifestam a nós, que não conhecemos, como o Senhor omnisciente, o coração de quem se diz ser nosso irmão na fé.

5. A vaidade do legalista e o descanso do crente em Cristo

Assim tombam as falácias inúteis dos sofistas, que, uma vez mais, são humilhados perante a Palavra inspirada e inerrante de Deus. Estes ouvem a sua voz ecoar nestas imprecações de Cristo:

‘Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demónios? e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então lhes direi claramemnte: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade’ (Mateus 7:22-23).

Tais hipócritas mostravam obras mais excelentes que Abraão, e mais espectaculares que qualquer um de nós vez alguma presenciou. Mas, porém, justificaram-se perante o Altíssimo com as suas obras, em vez de apontarem para a obra expiatória de Cristo no Calvário e a obediência perfeita do Redentor para serem declarados justos por imputação, preferindo a vaidade das suas obras para se mostrarem superiores perante quanto aos outros homens, e pior: perante Deus.

Aos mais, que em si não vêm lei nenhuma senão a do pecado e da morte, Jesus exorta, confortando: ‘Não temas: crê somente!’ (Lucas 8:50).

Lutero sobre o livre-arbítrio. E um repto.

•11 de Agosto de 2009 • Deixe um Comentário

‘Pois se crermos ser verdade que Deus é conhece de antemão assim como predetermina todas as coisas; que ele não pode ser ludibriado ou obstruído na sua presciência e predestinação; e que nada acontece à margem da sua vontade (o que a lógica necessariamente obriga), então, pelo testemunho da razão, não poderá existir qualquer ‘livre-arbítrio’ nos homens, nos anjos, ou em qualquer criatura’. — in De servo arbitrio, 1525

Farei o mesmo repto que Lutero lançou a Erasmo: desafio quem desafiar a proposição anterior a buscar base bíblica para o chamado ‘livre-arbítrio’: uma só asserção desta doutrina humanista que afirma que o homem age livremente da soberania de Deus.

Agonia e graça.

•3 de Agosto de 2009 • Deixe um Comentário

Esta tarde, vi um recém-nascido inanimado sangrando ao colo inconsolável da sua mãe. Não concebo dor maior, humanamente. Porém, o meu paradigma de sofrimento nem é o de recém-nascidos inamimados sangrando aos colos insoláveis das suas mães chorosas, mas um semelhante, se bem que infindamente maior: a do Pai eterno ao testemunhar a morte do seu Filho perfeito e puro nas mãos dos seus inimigos, por quem orava antes de expirar na Cruz que ele mesmo providenciou.

O Evangelho não é mel: é sangue. Não é paz: é morte. Não é conformação: é ressurreição. Daí parecer-me real o mundo que presencio: faz jus à feiura e padecimento que procede do pecado perante nós, vindo de nós.  Sob a fé na Queda, bebés condenáveis à morte instantânea e suas mães desmaiadas de agonia fazem sentido.

E a redenção que vem de Cristo, que nos liberta desta mortandade, fá-lo mais e mais glorioso.

Lamentação perante os neobabilonos.

•3 de Agosto de 2009 • 1 Comentário

Reconheço, com lástima, que fui profícuo em muitos debates na minha vida em fazer admitir, de muitos lábios budistas, o seu ateísmo. E isto não é vaidade minha, mas miséria sua. Pois em todo o new-ager e panteísta pagão crepita um ateu implícito.

Afirmar que Deus é tudo é mero eufemismo para crer que ele não é nada; e defender que ele habita tanto nas Santas Escrituras como no meu candeeiro é uma paráfrase para a fé de que não nos importamos com ele, tanto quanto nos é irrelevante um candeeiro – ainda para mais, meu.

Qual a natureza da fé: racional ou paradoxal?

•29 de Julho de 2009 • Deixe um Comentário

Segue-se uma leitura dada pelo apologeta pressuposicionalista americano Gordon H. Clark (a quem devo o método e em quem tenho o meu filósofo cristão predilecto). O tema é o da controvérsia de que este tomou parte com Cornelius Van Til nos círculos presbiterianos dos meados do séc XX.

Sintetizando, discutia-se qual o axioma fundacional da epistemologia cristã. Van Til cria que era o Deus triuno; Clark, a Bíblia sob a revelação do Deus triuno. Van Til reafirmava que a Bíblia só era compreensível pela acção ontológica do Deus triuno sobre o indivíduo; Clark consentia, mas lembrava que só a Bíblia revelada apresentava o Deus triuno que a discerne a este.

Van Til, emprestando a sua concepção de fé a partir de Kierkegaard e, em certa medida, o neo-ortodoxo Karl Barth, argumentava que, devido ao pecado original e a depravação total do homem inviabilizavam qualquer conhecimento do Deus transcendente por parte do homem finito, sendo que a sua ciência era meramente analógica, desprovida de qualquer ponto de contacto com o Criador (Isaías 55:8-9). Clark contratacava, lembrando que a fé salvífica é objectiva e racional (Hebreus 11:1-3), e que Deus, a partir momento da regeneração do cristão, se faz conhecer realmente; e não somente ao crente, mas também ao incrédulo, pela sua revelação natural, cujo conhecimento o não-cristão suprime, apesar da sua imanência adâmica (Romanos 1:18-23).

São 6 partes.